Vermelho, laranja, amarelo, verde, azul e lilá

Houve um tempo em que o amor era rosa. Como a pantera rosa, assim de tímido e bem intencionado. Desfazia-se em suspiros e ausências e os bardos cantavam-no em novelas, logicamente rosa. Não tinha nada de negativo em si próprio, ainda que fosse atrozmente reduzido. Porém, certo dia chegaram todas as cores do arco da velha para produzir uma explosão. Vermelho, laranja, amarelo, verde, azul e lilá. O amor revelou-se aí como fruta madura e os desejos dispararam-se. Ele e ele. Ela e ela. Ela (que antes era ele) e ela. Ele e ela também, com efeito. Todas as possibilidades conhecidas, e algumas mais que estavam ainda por inventar, todas, assim de raras, assim de normais, surpreenderam-se de ver-se assaltadas por Eros. Ele e ele. Olha-me assim, profundamente, não me retires a mirada. Interessas-me. Ela e ela. Onde podo achar-te? Olha-me. Estou pendente da tua mirada. Ela (que antes era ele) e ela. Entendes? Sim, entendo-te. Ele e ela. Não quero deixar de olhar-te. E a partir de aí, as cores rebentaram como flores. Toca-me assim, como tu sabes fazer. Devoro-te. Come-me. Bebo-te. Fazes-me arder. Inunda-me. Umedeço-me. Gosto de ti. Penetra-me. Invado-te. Enches-me. Cada pessoa era de súbito um vulcão a ponto de explosão. Nesse momento da revolução interior el@s tod@s sentiram a força do desejo a habitar nos seus corpos. Irrompia. Interrompia toda a atividade, porque as gentes sujeitas ao desejo já não eram quem de se concentrarem noutra coisa nenhuma. Apenas o desejo existia. Mas o desejo amolava o poder. Porque era rebelde. Porque não permanecia submisso. O desejo nem se ajustava a códigos nem rendia cegas obediências: nascera para provocar. Por isso talvez, nesse momento revolucionário, el@s tod@s tornaram em vermelho, laranja, amarelo, verde, azul e lilá. Ela e ela, ele e ele, ela (quem agora era), segura de ser quem queria ser, acompanhada doutra ela ou dum ele; ela e ele também, sempre e quando não tivessem muitas certezas de em que consistia ser um ele ou ser uma ela, tod@s a arder baixo o sol do solstício de verão. Em 28 de junho, celebravam as grandes liberdades: a primeira, a de sentir-se carne crua sobre o lençol, a de deixar que a pele se enchesse de acontecimentos até arrugar-se a base de sentir. Elas e eles, nas suas combinações diferentes e mudáveis, estavam a alçar-se desde o corpo que continha todo o seu ser berrando a consciência do poder que abeira o sexo, para dar-lhe um fim além do orgasmo: um fim que se projeta desde a cama para o performativo, para o artístico, para o poético... e para o político.

El@s tod@s, sem exclusões, com identidades em movimento, transgressoras, negam-se a ser carne do Estado, carne selada com etiquetas indeléveis, ela e ela, ele e ele, ela (agora ela) depois doutro ser e acompanhada duma ela ou dum ele, tanto tem. Ela, a que vai com algumas elas, depois de ir com alguns eles. Ele, o que às vezes se deixou impregnar da beleza delas, e hoje adora a doutro ele. El@s já nunca mais seres mutilados, em perpétua subversão contra das etiquetagens, definem o orgulho de se aceitarem. O amor já nunca será unicamente rosa. Agora pinta-se de todas as cores, vermelho, laranja, amarelo, verde, azul e lilá, como o verão que começa e que, para fazer bem o seu trabalho, deverá achegar-nos de novo a experiência mágica de fugirmos dos pesos da existência para sermos apenas pele bem satisfeita, bem acarinhada e bem lambida.

Teresa Moure

Integrante do Conselho Nacional do BNG

 

ACTOS LGBT 2013: